01 maio 2011

Lições de Perfeição

Dar receber....Receber dar

Ontem encontrei um menino sentado no chão, do lado de fora da padaria onde fui comprar pães de mel. Daqueles que guardam os carros, com uns 10, 11 anos, lindo de olhos verde piscina brilhantes. Ficava ali sentado, pedindo pras pessoas que passavam. "Ô moça, compra uns pasteizinhos pra mim?" perguntou quando passei por ele. Eu olhei, entrei e senti que apesar dele não parecer debilitado, nem faminto, devia lhe dar os pastéis. Escolhi, então os mais bonitos e quando sai, percebi que ele me fitava e pareceu surpreso quando estendi-lhe o saco de pastéis. Pareceu-me que receber pastéis pra ele nunca tinha sido tão fácil. Então disse-lhe "só que você vai ter que fazer uma coisa pra mim. você vai escolher ser generoso com os outros, mesmo que não receba nada em troca." ele fez que sim com a cabeça, "tá bom" respondeu, tudo muito simples e direto, muito verdadeiro, e começou a comer. Lá do carro, um pouco mais à frente, percebi que ainda me olhava nos olhos, então gritei sorrindo  "fica com Deus!", sem resposta, mas senti um carinho imenso por ele.
Hoje saí de casa pra comprar linha, porque descobri uma alegria imensa em tricotar, como fazia minha avó :). No caminho parei num semáforo e um desses meninos que vendem balas colocou um saquinho no retrovisor do carro. Olhei pra ele e pedi desculpas porque não tinha dinheiro nenhum e ele pegou uma bala do saco e disse "Tó!" com um sorriso tímido. Aceitei agradecendo, olhando pros seus olhos, muito doces, verde água, vivos, brilhantes... o semáforo abriu e eu lembrei do que tinha acontecido no dia anterior. Emocionei-me quando percebi a espantosa semelhança de semblantes e olhares, sem nunhum tipo de malícia ou intenção entre os dois meninos e que o de hoje tinha feito exatamente aquilo que eu tinha pedido pro de ontem. Chorei e agradeci por entender que todos os meninos são um só menino e que as nossas ações e intenções repercutem imediatamente em todos à nossa volta. Quando cheguei na loja, estava já fechada, mas parei numa padaria próxima porque decidi retribuir a generosidade do menino com um lanche. Pelo caminho a pé, sentada na esquina, no chão sujo com seus dois filhos, uma mãe daquelas que ficam pedindo na rua. Ela tinha uns sacos e uma garrafa de coca-cola que tentava em vão dar ao mais pequenino. Olhei por uns instantes, de longe e ela, muito querida, apesar de sua condição, abraçava, beijava e brincava com ele, completamente alheia ao movimento da rua à sua volta. E eles, completamente invisíveis pras pessoas que passavam. Comprei então um lanche pro menino do semáforo e um pra mãe com as crianças. Enquanto esperava meu pedido, fiquei prestando atenção à senhora que varria o chão. Ela dava a volta com a vassoura à volta dos pés das pessoas que nem se quer se davam conta de sua presença. Muito pequenina e sempre curvada para a frente, muito concentrada no seu trabalho. Quando chegou perto, dei-lhe licença e pedi desculpas por estar no seu caminho. Acho que senti culpa por todos os que não perceberam a nobreza da sua presença e a importância de seu trabalho. Ela ergueu-se e olhou-me nos olhos e abriu um sorriso largo, daqueles que preenchem a alma e iluminam. Que benção! Lá fora estendi a sacola à senhora "Por favor, cuida bem deles, Mãe!" pedi e ela respondeu em silêncio, olhando-me nos olhos, olhos vivos, de um azul turquesa brilhante. "Obrigada Mãe, por me mostrar sua presença nos olhares de todas as pessoas". No caminho de volta, passei três vezes à volta do quarteirão pra entregar o lanche do menino, mas sem êxito, pois ou ele mudava de faixa, ou o timing do semáforo fazia-me esperar na fila muito pra trás, onde ele já não me alcançava. Então entreguei, "Pai, seja feita a sua vontade e não a minha" e pelo caminho, vi muitas pessoas invisíveis aos olhos da maioria, sentados, deitados pelas calçadas, sujos, doentes, carregando  muitos sacos com restos de coisas que vão encontrando e ajuntando. Sem pedir ajuda, apenas ali, como se houvesse dois mundos coexistindo em paralelo, que não se enxergam um ao outro, acontecendo em simultâneo, um de extrema miséria e limitação e outro de comodismo e proveito dentro das suas próprias possibilidades. Pensei "Pai, são tantos!" Senti que precisava ter muitas de mim ali, naquele momento pra entender o que precisavam, pra ajudá-los de alguma maneira. Olhei pro lanche do menino ainda ao meu lado e decidi dar mais uma volta, outra possibilidade. Dessa vez, tive que parar num semáforo anterior. Olhei pro lado e aproximava-se uma senhora completamente imersa no que estava fazendo. Tinha os pés enfaixados e andava com dificuldade, carregava um saco enorme e pesado nas mãos. Nesse instante, sentou-se no degrau da calçada, ao meu lado, como que despencando de tanto cansaço, de olhos fechados e face voltada pro alto. Largou seu saco com uma expressão de alívio e pesar ao mesmo tempo, como se tivesse dado tudo, em esgotamento. Num impulso, sem pensar, como que se tivesse sentido sua carência, abri a janela e estendi-lhe o saco com o lanche do menino "A senhora já comeu?" perguntei, sem resposta. Só um olhar grave, vazio. Tentou levantar-se com dificuldade, pegou o saco sem olhar, sem agradecer. Tirou o suco e abriu. Tinha sede, mas bebeu sem expressão. Seu semblante grave de sofrimento era comovente. Um sofrimento tão grande que faz perder toda a emoção, todo o brilho, só vazio. "Obrigada, Pai por me mostrar o que é dar sem receber nada em troca", "Obrigada por me fazer perceber que só tenho a agradecer", "Obrigada por mostrar o que é ser um instrumento da sua vontade", "Obrigada por mostrar como a vida é abençoada com a sua presença em todos os momentos". "Obrigada por me ensinar que a vida é uma sincronicidade perfeita". Por um momento preocupei-me com o menino outra vez. Já não tinha o lanche, mas logo senti que tudo estava em seu lugar e que no seu tempo e pro seu bem, tudo lhe seria dado. Quando cheguei na rua de casa, vi a moça que vive na calçada pelo retrovisor. Sabia que ela tinha sede. Quando sai do carro ela estendeu-me sua garrafa vazia "A senhora pode me arranjar um pouco de água?" Sorri, porque já sabia e ela seguiu comentando com seus olhos brilhantes e seu bom humor "É, hoje já fui tomar banho lá no cemitério, mas faz muito calor" Sentou-se na guia e pôs-se a olhar pras copas das árvores. Um dia lindo. Uma luz esplendorosa.
"Obrigada Pai, por me fazer perceber sua beleza nas coisas mais simples". Entrei e pedi ao meu marido que levasse a água, pois tinha umas coisas urgentes pra resolver. Dali a pouco, percebi que também sentia fome e sede, ainda não tinha comido. No mesmo instante, sem que tivesse lhe pedido, apareceu trazendo-me chá e bolinhos.Olhei pra ele, mas fiquei confusa e não sabia a quem agradecer. "Obrigada, Pai!"
No início do dia, saí com um propósito que não se concretizou, ao invés disso, uma série de acontecimentos se sucederam sem nenhum tipo de planejamento, sem nenhuma preocupação para além de estar presente e ver, seguindo uma intuição momentânea, como se fosse só coração, só um ver e sentir que desencadearam uma sensação de unidade, reconhecimento e respeito por tudo à minha volta, sem esforço, como se tudo fosse perfeito, sem sensação de ter feito alguma coisa ou de responsabilidade sobre alguma coisa. Apenas cuidado. Cuidado de cuidar e não de se proteger. Como se todos fôssemos pequenas gotas num mar cuja corrente não controlamos ou entendemos e que se nos abandonássemoss a ela, sentíamo-nos como parte desse  imenso oceano e sendo guiados por ele. Se nadamos contra a corrente, ficamos tão preocupados e ocupados com isso que apesar de também sermos levados por ela, temos essa percepção do esforço vão, do desgaste, do sofrimento, sempre contra essa força que nos supera, nos sentindo cada vez mais cegos , perdidos, fatigados.
No final, era simples, se todos déssemos, todos tínhamos, pois esse oceano é abundante e infinito, sem as limitações que impomos a nós mesmos, quando nos fechamos em nossa própria existência.

                                      

2 comentários:

  1. Nesses ultimos dias eu não tive tempo pra muita coisa, pois estava ocupada com as coisas do mun do, mas hoje eu resolvi ter tempo para as coisas de Deus e Li esse post tão lindo. Estava triste pois nos nunca temos tempo para olhar os nossos irmão ditos invisiveis. E isso me entristesse. Mas hoje, vou trabalhar feliz por saber que o importante é dar sem receber nada em troca. Obrigada por ter melhorado o meu dia!! :)

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir